O MESTRE E O JOGO
MICHELET, André - França

in: Revista "PERSPECTIVA". Madri, n.60, v. XVI . 1986. p.117-126.
Tradução-Maria Ângela Barbato Carneiro


O ENFOQUE TRADICIONAL do JOGO

Há alguns anos se delineia e se desenvolve cada vez mais rapidamente um movimento que advoga que se incorpore o jogo em todos os níveis do ensino escolarizado. Essa idéia que só se baseia em poucas experiências concretas, preocupa, hoje, a grande maioria dos docentes. Não se trata tanto do fato como da evolução de uma opinião, para qual contribuem os nossos conhecimentos sobre a Psicologia infantil e uma evolução incerta da Pedagogia.
Como reação, os partidários de tradições arraigadas do ensino, multiplicam veementes suas críticas, sem muito fundamento, ao ensino por meio do jogo. Como deverá e poderá o mestre tomar posição ante um fenômeno que deve converter-se rapidamente em campo de batalha da Pedagogia?
Na verdade, os elementos de informação de que se dispõem são demasiadamente gerais, vagos e incompletos e a oposição ou aceitação das idéias devem-se mais a convicções pessoais do que argumentos bem fundados. O desconhecimento do jogo não é culpa do mestre. As teorias sobre o jogo que se apresentaram quando se desejou informação, são insuficientes, inadequadas e, freqüentemente, contraditórias. Uma consulta aos filósofos permitirá descobrir, que o "jogo é uma ação ou uma atividade voluntária, realizada dentro de certos limites determinados de tempo e lugar, sendo uma regra aceita livremente, porém totalmente obrigatória, que tem um fim em si mesma" (Huizinga, 1951). Consultando-se outras obras, como a de um psicanalista, ler-se-á que a ilusão primordial transmitida pelo jogo pertence à onipotência arcaica (Gutton, 1973). Daí o fato de o pedagogo perguntar-se com toda a sinceridade como pode aplicar em sua classe semelhante fenômeno psicológico.
Não existe nenhuma síntese. Caillois (1958), sempre que fala do jogo, reconhece que "as inumeráveis obras sobre a natureza do jogo, sobre a Psicologia do jogo e sobre a classificação dos jogos não tratam do mesmo tema" e o autor o aborda de maneira original.
Na prática, significa dizer que nos programas oficiais elaborados pelos teóricos da pedagogia atual reina, em termos gerais, a mais completa ignorância sobre o jogo. A propósito das diretrizes do ensino francês escreve Leif (1966): "Seria em vão enumerar os diversos projetos de reforma do sistema educativo a não ser para convidar o leitor para que descubra (...) nas disposições proclamadas que não se fala nada de jogo". Legrand (1972) observa a respeito da Pedagogia oficial, que "lhe é completamente alheia à integração do jogo como meio de educação". Isso não só se aplica as diretrizes, como se inscreve na estrutura arquitetônica da escola e do recinto escolar que, em termos gerais, ignora a abertura do mundo ao jogo.
Não obstante famosos pedagogos terem falado do jogo e inclusive aplicado, como devem ser interpretados esses exemplos? Alguns teóricos manifestam oposição categórica que representa mais uma opinião fundada na depreciação do que na busca no conhecimento profundo. Alain (1932), a quem se cita freqüentemente, cita "não acredito nessas lições demasiadamente divertidas que são uma espécie de continuação dos jogos, são ilusões de pessoas que jamais aprenderam sua profissão". Quando são citados autores que estudaram o jogo na escola, surgem Chateau (1961) e sua obra A criança e o jogo. No prefácio, Guillaume, outra autoridade do ensino moderno, diz da criança: "Se contenta com o jogar só por impotência".
Uma das correntes mais dinâmicas do ensino atual inspira-se em Freinet (1960) e em seus conceitos de jogo-trabalho e trabalho-jogo, e analisa detalhadamente a atividade em vários capítulos de uma de suas obras principais. Oxalá o autor se tivesse detido na declaração que introduz esses capítulos:
"Especialmente para os principiantes, dispomos na atualidade de excelentes métodos e de um material engenhoso, baseado exclusivamente no esforço criador mediante o jogo, que tem provado a sua eficácia". Quem provou? Por desgraça, somente "o fracasso total de uma forma de educação que se traduziu nesse envelhecimento da juventude e nessa passividade de todo um povo que parece ter esquecido para sempre as vias do dinamismo e a virilidade".
Assim , pois, ao é de estranhar que ao buscar um ensino ativo, as gerações atuais, seguindo o exemplo de seu mestre, se perderam em discussões inúteis sobre as vantagens respectivas do jogo-trabalho e do trabalho-jogo, sem acreditar realmente nelas. Isso estagnou e viciou consideravelmente a prática do jogo na escola, incluindo os que estavam mais capacitados para incorporá-lo ao ensino.
Há de se reconhecer que as fontes e as referências são bastante confusas, incluindo os autores mais convencidos. Em várias obras recentes que abordam o problema, ao tratar do jogo na escola se alude ao método Montessori (1935), que se baseia em um material importante, conhecido em todo mundo e aplicável ao conjunto da educação, desde as classes dos pequenos até os últimos cursos do ensino secundário. Não se trata de materiais para jogar. Maria Montessori desterrou o jogo do ensino e considerava os brinquedos como "algo, sem dúvida, inferior na vida da criança", e o jogo em si mesmo como uma "atividade ociosa", uma degradação do esforço do conhecimento e uma perda de energia.
Não obstante, Séguin (1895), a quem Montessori reconheceu como seu mestre, escreveu: "Os livros não podem ensinar às crianças o que os jogos lhes inculcam. As nações que têm mais brincadeiras são as que têm mais individualidade, idealismo e heroísmo". Séguin afirmava que o jogo é o "ato mais espontâneo da infância e mais ainda: é para a criança a realização livre e voluntária de uma função fisiológica e psicológica: é algo sagrado".
Claparède (1922) e Decroly (1978), criadores de uma das pedagogias mais modernas, a única que integra realmente o jogo no ensino, entendido como "a ponte que une a criança à vida para além dos muros do recinto escolar", estimulam na criança o desejo de atuar, que "depende da necessidade geral que caracteriza a criança e que é uma necessidade de jogo". Apresentadas em forma de jogos é a melhor forma de se motivar as atividades que se deseja realizar. Decroly inventa uma forma de integrar o jogo na escola, a saber, "os jogos educativos". Esse termo, tem sido muito denegrido por inúmeros educadores empenhados em considerar jogo e educação como termos contraditórios que, se conjugados, destruirão tanto o valor do jogo, se é que o tem, como do ensino.


PODE A PEDAGOGIA ATUAL PRESCINDIR DO JOGO?

Em todas as aprendizagens espontâneas é natural e essencial recorrer ao jogo. São poucas as sub-culturas que rechaçam essa atividade de assimilação mediante a "ficção" e a imitação, que se ajusta progressivamente para integrar técnicas e tradições. O primeiro diálogo da criança com o adulto realiza-se por meio dos jogos com as amamentadoras, cujo conteúdo consciente e inconsciente está se redescobrindo graças a Psicologia: abertura em relação ao corpo, ao gesto e à linguagem. Sem dúvida, quando uma sociedade pensa em institucionalizar a educação, desterra o jogo e só tem em mente um sistema rigoroso e austero de transmissão da informação. Nega-se rapidamente, todo caráter próprio do pensamento infantil, pretendendo que se forme a partir do raciocínio próprio do mestre, ou mais exatamente, a partir do acervo de conhecimentos da sociedade adulta. O meio empregado tradicionalmente para essa transmissão é um sistema de símbolos: palavras, números, imagens, que constituem a matéria quase exclusiva da atividade escolar. Ferraroti (1985) dizia que "Os símbolos supõem que tenha havido uma relação com a realidade que a simbolizam. O sentido de uma palavra, de um número e inclusive de uma imagem só pode dar-se mediante uma experiência direta e uma operação da inteligência. A escola cons

13/07/2007

 

 

 
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