MUSEU EM JOGOS: SABER E SABOR
Maria Angela Serri Francoio - Educadora do MAC São Paulo
MUSEU EM JOGOS: Saber e sabor
A IMAGINAÇÃO E A OBRA DE ARTE SÃO "PEÇAS" FUNDAMENTAIS (1)

Para a necessária construção de uma consciência do nosso lugar no mundo, na natureza e nas dinâmicas de equilíbrio harmônico existentes, nós, educadores podemos criar situações de ensino e aprendizagem que recuperem realidades distantes da maioria das crianças que vivem em áreas urbanizadas.

O trabalho desenvolvido por nós a partir da obra SUCURI COMENDO BOI, de José Antônio da Silva (2), acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP possibilita uma reflexão nesse sentido e enfatiza, também, aspectos importantes da vida dos animais. Um desses aspectos é a sobrevivência, pois, quase sempre, entre os animais, a morte de uns significa a sobrevivência de outros. Ou seja, o assunto 'cadeia alimentar' é um dos eixos desse dialogo com as crianças.

José Antônio da Silva, ou SILVA como gostava de ser chamado, foi artista autodidata. Em depoimento disse "(...) aprendi a escrever nas foia de café" fazendo menção à sua infância na lavoura, vivência que ele manteve presente em suas obras premiadas em várias bienais de arte, no Brasil e no exterior.

Essa pintura - nanquim e óleo sobre papel - com apenas 22,5 x 32,6cm, causava um impacto nas crianças de cinco a dez anos, durante visitas orientadas. Elas necessitavam de certo tempo de fruição para a compreensão da imagem. Conversando com elas, percebíamos que, primeiramente, viam somente o boi, em seguida percebiam a cabeça do boi e a da sucuri e, por fim, a cena. É então que ficavam pasmadas, olhando, cada uma no "seu tempo" de percepção. Lentamente, o espanto transformava-se em conversa e a questão da vida e morte entre os animais era tratada com mais naturalidade.

Durante a apreciação da Sucuri comendo boi realizamos, em outras dinâmicas, um jogo de relações, que estimulava o pensamento analógico, a imaginação, e a motivação para um olhar mais cuidadoso, "um olhar em câmara lenta" como disse o professor Lino de Macedo ao se referir ao benefício do jogo no Museu.

Nesse jogo começávamos dizendo:
- Vamos imaginar o que poderia estar acontecendo ao redor dessa cena criada pelo artista? As crianças "entram no jogo" e imaginam a sucuri em toda a sua grande dimensão, o mato, a cena com os sons e cheiros que estariam percebendo. Imitam o "grito do boi que foi pego pela sucuri", o "chocalho da cobra" ao atacar, os "sons de passarinhos" e falam "da manada que está correndo e fugindo da cobra" ou, ainda, da existência de uma "lagoa por perto, onde tem mulheres lavando roupa" etc. Dessa forma, valorizávamos o ponto de vista do pintor na composição, criando outros possíveis.

Nessas conversas, as características do animal - cobra -, tais como a sua dimensão, o seu habitat, se é peçonhenta etc. sempre geravam polêmicas e as incitavam a novos saberes, pois as crianças ficam muito curiosas e francamente estimuladas, o que entendemos como real abertura para a ampliação da discussão para outras áreas de conhecimentos, em sala de aula. Os professores presentes nos grupos de formação ou que acompanhavam as crianças durante as visitas participavam dessa discussão e diziam que se beneficiavam delas para posteriores trabalhos interdisciplinares na escola.

Em seguida ao jogo coletivo do livre pensamento, havia um momento mais introspectivo, pessoal e de resgate à dinâmica e diálogos anteriores. As crianças recebiam pequenos suportes de papel sulfite em formato de um livro para fazer desenhos, registros dos caminhos percorridos por todos juntos na imaginação. Levavam para casa um caderno com os seus desenhos como recordação e marco da visita ao Museu.

(1) Museu de Arte e Ação Educativa: Proposta de uma abordagem Lúdica, dissertação de mestrado, ECA USP, 2000, orientadora Profa. Dra. Regina Machado, texto adaptado para este site.
(2) Essa obra foi apresentada na exposição Ciranda de Formas: Bichos - jogos

02/12/2007

 

 

 
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